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STJ e o tráfico de drogas à luz da Teoria da Imputação Objetiva

Regiane da Silva Cardoso

2 de ago. de 2024

STJ define em julgamento que “resquícios” de cocaína encontrados em balança de precisão não são suficientes para sustentar uma condenação por tráfico de drogas.

Recentemente, em 24 de julho de 2024, o Superior Tribunal de Justiça, proferiu uma decisão no Agravo Regimental em Recurso Especial nº 2092011 – SC, considerada “polêmica”, em relação ao tráfico de drogas e à materialidade do tipo penal.

De antemão, uma breve leitura do título pode criar a ideia de um julgamento forçado e afim da impunidade. No entanto, quando a análise se dá de maneira aprofundada, é possível compreender o juízo de subsunção feito pelos julgadores, e a forte influência da Teoria da Imputação Objetiva.

No julgamento em apreço, o réu foi acusado de tráfico de drogas (art. 33, Lei 11.343/06), no entanto, sem apreensão da substância entorpecente propriamente dita. Os únicos vestígios encontrados foram “resquícios” de cocaína na balança de precisão, em quantidade ínfima, inapta até para pesagem. O Ministério Público alegou que houve delação de usuário, investigações prévias e depoimento de policial, responsável por delatar o envolvimento prévio do acusado na traficância, o que, em tese, corroboraria para a condenação.

Diante disso, Sr. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, da quinta turma, relator do caso, realizou análise técnica do dispositivo supostamente violado e concluiu que: "Drogas" é elementar do tipo e objeto material sobre o qual recai os verbos nucleares arrolados no artigo. Assim, só pode ser punido pelo crime de tráfico de drogas aquele que pratica quaisquer das condutas típicas incidentes sobre as substâncias consideradas "drogas" pela Portaria n. 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, nos termos do art. 66 da Lei n. 11.343/2006. Disso, exsurge imprescindível a apreensão das substâncias alegadamente ilícitas, sobre as quais, de fato, incidiu a conduta do acusado, e a sua submissão à perícia técnica, a fim de constatar se há o enquadramento na norma administrativa e, por conseguinte, a submissão da conduta à norma penal.

Afinal, não há como dizer que a conduta imputada ao acusado (guardar em depósito ou vender) recai sobre "resquício" de cocaína encontrada na balança. Não se pode sequer afirmar, indubitavelmente, que tal resquício seria decorrente da conduta imputada ao agente, de terceiros residentes no mesmo local ou de conduta pretérita acerca da qual o réu já teria respondido.

Dessa forma, sem a apreensão da droga propriamente dita, a materialidade do tipo penal restou prejudicada, mesmo que tenham sido encontrados na residência diversas embalagens – 38 (trinta e oito) pinos vazios transparentes e 29 (vinte e nove) micro-potes (recipientes plásticos) de cor preta com tampa.

Nesse ponto, convém ressaltar que o artigo 33 da Lei 11.343/06 dispõe que é crime importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Não diz nada sobre embalagens suspeitas, balança de precisão ou afins.

Assim, a necessidade de perfeito enquadramento da conduta ao tipo penal (subsunção), caminha no mesmo sentido disposto na Teoria da Imputação Objetiva, cujo maior precursor é Claus Roxin.

Segundo Sanchez (2003, p.2) a teoria da imputação objetiva outorga ao tipo um conteúdo claramente valorativo. Disso resultam duas consequências. Primeira: nem a causalidade nem a finalidade do sujeito nos informam se uma pessoa realizou ou não o tipo penal. É necessária uma valoração do ponto de vista normativo. Uma conduta será típica de acordo com o fim e o sentido dos tipos da parte especial, interpretados teleologicamente (finalisticamente).

A segunda consequência tem uma importância prática maior: mesmo que uma conduta possa ser subsumida formalmente num tipo penal, somente se pode desvalorar dita conduta de acordo com o “fim de proteção da norma penal”.

Após tal interpretação, se não houver inequívoco enquadramento (considerando os demais requisitos: materialidade, autoria, nexo causal, etc.) não há que se falar em responsabilização criminal.

Fontes: SÁNCHEZ, Bernardo F. Teoria da imputação objetiva: estudo crítico e valorativo sobre os fundamentos dogmáticos e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Barueri: Editora Manole, 2003. E-book. ISBN 9788520442197. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520442197/. Acesso em: 02 ago. 2024.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2092011. Agravante: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Agravado: VALDINEI BECKER CLAUDINO. Relator: Relator: MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK. Brasília, DF, 24 de junho de 2024. Informativo de Jurisprudência: Edição Extraordinária nº 21 30 de julho de 2024. Brasília, . Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28%28AGRESP.clas.+ou+%22AgRg+no+REsp%22.clap.%29+e+%40num%3D%222092011%22%29+ou+%28%28AGRESP+ou+%22AgRg+no+REsp%22%29+adj+%222092011%22%29.suce.. Acesso em: 02 ago. 2024.
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