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Nova Lei 14.786/23 - Protocolo Não é Não
Regiane da Silva Cardoso
8 de jan. de 2024
Nova lei visa garantir a segurança de mulheres em ambientes de casas noturnas, shows e afins.
No último dia 28 de dezembro de 2023, foi publicada a Lei 14.786/23 que institui o protocolo “Não é Não”, para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher, além de instituir o selo “Não é Não - Mulheres Seguras”.
O que muda?
A nova lei traz orientações acerca de procedimentos que devem ser adotados em casas noturnas, bares, shows e estabelecimentos que realizem comércio de bebida alcoólica, a fim de garantir a segurança das mulheres, prevenir e enfrentar os constrangimentos sofridos. Também acrescenta o inciso III na Lei Geral do Esporte (14.597/2023) impondo a obrigação de observar as medidas nas competições esportivas.
Entre as medidas de proteção que podem ser aplicadas pelo estabelecimento estão: afastar a vítima do “agressor”, colaborar para o reconhecimento de testemunhas, solicitar a presença da Polícia Militar, impedir o reingresso do “agressor” ao local até a resolução da situação, preservar imagens de câmera de segurança, entre outras.
Estabelecimentos que atenderem ao disposto, receberão o selo “Não é Não - Mulheres Seguras”. Em contrapartida, estabelecimentos que não observarem a nova lei poderão sofrer penalidades como: advertência, revogação do selo Não é Não, exclusão do estabelecimento da lista de “Local Seguro para Mulheres” entre outras sanções previstas em Lei.
A lei entrará em vigor após decorridos 180 dias de sua publicação.
Iniciativa e contexto da lei
Inicialmente, a lei possui inspiração no projeto “Yes means Yes” (Sim significa Sim), lei publicada no estado da Califórnia nos EUA, que estabelece a autorização voluntária como requisito essencial para interações afetivas e sexuais, principalmente no âmbito universitário. O decreto também estabelece que pessoas sob o efeito de drogas ou álcool ficam incapazes de dizer “não”, conforme reportagem veiculada em O Globo, 2014.
Importante ressaltar que segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2023, houve substancial crescimento de todas as formas de violência contra a mulher em 2022, e especialmente em relação ao assédio sexual e crimes sexuais, houve um aumento de 49,7% em relação ao ano de 2021.
Este cenário ainda foi fortalecido pelo caso que chocou o país, envolvendo uma jovem de 22 anos, que em julho de 2023, após um show ocorrido em um bar na região de Pampulha em Belo Horizonte (MG), foi colocada em um carro de transporte via aplicativo, visivelmente vulnerável e quase desacordada, e foi deixada na calçada de sua casa, ocasião na qual foi levada por um homem suspeito de estuprá-la.
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais denunciou tanto o suspeito da prática de estupro de vulnerável quanto o amigo responsável pela colocação da jovem no carro, o motorista de aplicativo, e um motociclista que ajudou o motorista a colocar a jovem na calçada, abandonando-a sem possibilidade de oferecer resistência.
Diante do citado, a Lei 14.786/23 que institui protocolos e procedimentos a serem adotados por casas noturnas e afins demonstra ser essencial para a prevenção de situações análogas, e coibição de violências contra a mulher.
A Lei Federal caminha no mesmo sentido das normas estaduais autônomas. No Estado de São Paulo, por exemplo, foi publicada em 03/02/2023 a Lei 17.621/2023 que obriga bares, restaurantes e casas noturnas a adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco.
Controvérsia e problemática
Apesar da incontestável necessidade de proteção e auxílio à mulher diante do cenário vivenciado, certos dispositivos da referida lei têm sido criticados sob o argumento de misandria, ou seja, ódio aos homens.
Um deles é a atribuição à mulher do direito de definir se sofreu constrangimento e violência e ser imediatamente afastadas e protegida do agressor. Argumentam no sentido da impossibilidade de qualquer ato por parte dos homens, por receio de represália, conforme críticas veiculadas por Youtuber influente sobre o tema. (Youtube, Igor Pereira, 2023).
Sob o aspecto penal e processual, é clara a vedação da violação da presunção constitucional de inocência, do contraditório e ampla defesa, e do direito penal do inimigo, no entanto, convém ressaltar que a referida lei não tem caráter penal.
A Lei 14.786/23 não contém tipos penais específicos. É uma lei que institui políticas de enfrentamento à violência contra a mulher especificamente no âmbito de casas noturnas, bares e afins como citado.
Eventual responsabilidade criminal por atos ocorridos no interior destes estabelecimentos e contra a mulher, será apurada pela autoridade policial e se for o caso, denunciado pelo Ministério Público, sem prejuízo do contraditório e da ampla defesa conforme previsto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal.
Em caso de eventual imputação falsa por parte das mulheres, que dê início à instauração de um inquérito criminal, poderá ocorrer o indiciamento da imputadora por denunciação caluniosa, crime previsto no artigo 339 do Código Penal, vez que esse direito permanece protegido.
Quanto à afastabilidade imediata do suposto agressor do ambiente, trata-se de uma medida de urgência, para fazer valer a proteção a tempo de evitar tragédias. Uma discriminação positiva, consistente em tratar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam, como afirmou Rui Barbosa (apud Fábio Delmanto).
Por fim, conclui-se que a referida Lei caminha no sentido do progresso social e normativo, vez que não fecha os olhos para questões atuais e latentes que assolam as mulheres. Ainda que haja uma minoria que poderá fazer mau uso do dispositivo (fato que não é exclusivo desta lei), mesmo assim seus dispositivos se justificam pela proteção referida. Um ajuste normativo necessário que não se encontra na Lei, seria a menção expressa ao direito do contraditório e ampla defesa daqueles que se sentirem falsamente acusados, o que, reitera-se, não impede o exercício deste direito.
FONTES:
Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf
BRASIL. Lei 14.786 De 28 De Dezembro De 2023. Cria o protocolo “Não é Não”, para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima; institui o selo “Não é Não - Mulheres Seguras”; e altera a Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14786.htm
DELMANTO, Fábio Machado de A.; DELMANTO, Roberto; JÚNIOR, Roberto D. Leis penais especiais comentadas. São Paulo: Editora Saraiva, 2018. E-book. ISBN 9788553602209. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553602209/
G1. Quatro envolvidos em estupro de jovem após show são denunciados à justiça. Belo Horizonte. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2023/08/23/envolvidos-em-estupro-de-jovem-apos-show-sao-denunciados-a-justica-por-estupro-de-vulneravel-e-omissao-de-socorro.ghtml
IGOR PEREIRA. Protocolo Não é Não - Ela Define Se Houve Crime e Homem Sem Direitos. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ODhEIidlVvE
O GLOBO. ‘Sim significa sim’: Califórnia aprova nova lei sobre estupro em universidades. 2014. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/sim-significa-sim-california-aprova-nova-lei-sobre-estupro-em-universidades-14078391
SÃO PAULO. Lei 17.621 de 03 de fevereiro de 2023. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2023/compilacao-lei-17621-03.02.2023.html
SÃO PAULO. São Paulo Sanciona Lei Que Prevê Treino De Funcionários De Bares Contra Assédio A Mulheres. 2023. Portal Do Governo. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/sp-lei-capacitacao-funcionarios-assedio-bares/
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