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STJ: sem body cam para comprovar a justificativa da abordagem, testemunho policial deve ser cuidadosamente analisado

Regiane da Silva Cardoso

17 de set. de 2024

Recentemente a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Habeas Corpus nº 831.416 – RS, cujo relator foi o Ministro Rogerio Schietti Cruz, decidiu que o depoimento policial, no caso de ausência de body cam para filmar a abordagem, deve sofrer especial escrutínio.

Na linha do que propôs o Ministro Gilmar Mendes por ocasião do julgamento do Tema de Repercussão Geral n. 280: “O policial pode invocar o próprio testemunho para justificar a medida. Claro que o ingresso forçado baseado em fatos presenciados pelo próprio policial que realiza a busca coloca o agente público em uma posição de grande poder e, por isso mesmo, deve merecer especial escrutínio

No caso em apreço, o paciente estava sendo acusado de tráfico de drogas (art. 33, Lei 11.343/06), sendo que os agentes policiais sustentavam a fuga do acusado ao avistar a guarnição policial, o que segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, autoriza a busca pessoal. No entanto, como apontado pelo Ministro Schietti, os três policiais envolvidos na abordagem apresentaram três versões diferentes sobre o caso, sendo que em uma delas não havia fuga do agente.

Com base nisso, o Ministro apontou a necessidade de abandonar a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase inquestionável a depoimentos prestados por testemunhas policiais, como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade; e submetê-los a cuidadosa análise de coerência – interna e externa –, verossimilhança e consonância com as demais provas dos autos, conforme decidido pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no HC n. 877.943/MS (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 14/5/2024).

Ressaltou ainda que infelizmente, não se chegou ao desejado cenário em que todos os policiais de todas as polícias do Brasil estejam equipados com bodycams em tempo integral, o que não apenas ajudaria a evitar desvios de conduta, mas também protegeria os bons policiais de acusações injustas de abuso, com qualificação da prova produzida em todos os casos. Enquanto não se atinge esse patamar ideal, diante da possibilidade de que se criem discursos ou narrativas dos fatos para legitimar a diligência policial, deve-se, no mínimo, exigir que se exerça um “especial escrutínio” sobre o depoimento policial.

Assim, embora a conduta de fugir correndo ao avistar uma guarnição policial, em tese, autorize uma busca pessoal em via pública, no caso em apreço, diante do conflito de versões e das inúmeras contradições e incoerências nos depoimentos policiais, não há como considerar provada a existência dessa justificativa fática, de modo que ficou reconhecida a ilicitude da revista realizada no paciente e, por consequência, de todas as provas dela derivadas, inclusive a busca domiciliar posterior, o que conduziu à absolvição do acusado.
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