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Proteção do Legado e Memória: Crimes Contra a Honra Pós-Morte de Silvio Santos

Regiane da Silva Cardoso
18 de ago. de 2024
No último dia 17 de agosto, faleceu o mundialmente conhecido animador de programas, empresário e gestor de televisão Silvio Santos, cujo nome de registro era Senor Abravanel. Com o impacto da morte do empresário, que já contava 93 anos, diversas fases de sua carreira foram relembradas, entre elas falas e atitudes que poderiam ensejar uma acusação criminal. Como fica a proteção jurídica neste caso?
De antemão, cumpre ressaltar que o Código Penal confere proteção à honra dos mortos. O artigo 138, §2º, do referido Código dispõe que é punível a calúnia contra os mortos. De igual modo, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Em linhas gerais, calúnia consiste no crime de atribuir falsamente a alguém fato definido como crime. Em relação a isso, convém trazer à tona as diversas matérias jornalísticas que exploram a ligação de falas do apresentador com o apoio manifesto à ditadura militar (1964-1985).
Entre os argumentos citados, destaca-se o episódio ocorrido em fevereiro de 2020, durante o governo Bolsonaro, no qual Silvio Santos decidiu recriar o programa "A Semana do Presidente", exibido durante a ditadura, com detalhes sobre a rotina dos militares que governavam o país. A ideia foi suspensa após críticas por seu caráter "bajulatório". Além disso, episódio semelhante já havia ocorrido em 2018, no contexto da eleição de Bolsonaro, quando o SBT passou a exibir vinhetas com as cores da bandeira brasileira nos intervalos comerciais de sua programação. Uma delas continha o slogan da ditadura "Brasil, ame-o ou deixe-o", marca do governo do general Médici, conforme atesta o site Brasil de Fato (2024)[1].
Ressalta-se que manifestar apoio à ditadura militar é crime previsto no artigo 287 do Código Penal, que dispõe: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime. Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa.”
Assim, como ficaria a responsabilidade por tais matérias?
O crime de calúnia possui como pressuposto o fato de o crime imputado ser falso, ou seja, se a alegação for verdadeira, não há que se falar em calúnia, por falta dos requisitos do tipo penal. Além disso, para a configuração desse crime, é necessário que esteja presente o animus caluniandi, termo jurídico que significa a intenção de ofender a honra de alguém, o que geralmente não se verifica em matérias jornalísticas.
Quanto às figuras públicas, há ainda a discussão sobre a redução da esfera de proteção dos direitos da personalidade de pessoas públicas ou notórias, à medida que estão relacionadas com a gestão de serviço público ou de utilidade pública (como o serviço público de televisão). Assim, nos termos da jurisprudência do STF e do STJ, inexiste ato ilícito se os fatos divulgados forem verídicos ou verossímeis, ainda que eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, notadamente quando se tratar de figuras públicas que exerçam atividades típicas de Estado, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica disserem respeito a fatos de interesse geral e conexos com a atividade desenvolvida pela pessoa noticiada.
Ressalta-se que podem existir posicionamentos divergentes.
Essa posição se baseia na ideia de liberdade de expressão, pilar fundamental de um Estado Democrático de Direito. No entanto, tal direito não é absoluto. Quando as falas são claramente proferidas com o ânimo de macular a honra e a imagem da figura pública, há necessidade de repressão à conduta para que não se repita. Nesse sentido, Ivan Ruiz e Pedro Neto[2] esclarecem que “a linha que delimita o que os canadenses chamam de margem é o interesse público, que não pode ser mal interpretado da forma que vem sendo. Não há interesse público em desmoralizar alguém. A desmoralização, aliás, é fruto de um abjeto interesse privado, onde o ofensor busca espaço por meio do escárnio alheio.”
Por fim, conclui-se que somente haverá necessidade de responsabilização criminal dos algozes da honra do falecido Silvio Santos quando restar comprovado o ânimo de macular a honra e a imagem, ultrapassando a esfera da liberdade de expressão e do conteúdo informativo.
Referências Bibliográficas:
[1] Brasil de Fato. Do apoio à ditadura a casos de racismo e assédio: relembre histórico de Silvio Santos. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/08/17/do-apoio-a-ditadura-a-casos-de-racismo-e-assedio-relembre-controversias-de-silvio-santos. Acesso em 18 ago 2024.
[2] Ruiz, Ivan Aparecido. Neto, Pedro Faraco. Honra Dos “Homens Públicos”: Análise De Sua Violação Criminosa Pela Internet E Os Direitos Da Personalidade. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f2c3b258e9cd8ba1. Acesso em 18 ago 2024.
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