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Como funciona a prisão preventiva no Brasil?

Regiane da Silva Cardoso
9 de ago. de 2024
Zaffaroni já dizia que tratam a questão criminal como um problema local, arriscando a expor opiniões e possíveis soluções. Diante disso, será que os opinantes sabem como funciona a prisão preventiva no Brasil?
Muito se fala sobre prisão no Brasil. Basta assistir aos noticiários para tomar conhecimento das inúmeras prisões determinadas diariamente. Zaffaroni (1940, p.5)[1] já dizia que tratam a questão criminal como um problema local, arriscando a expor opiniões e possíveis soluções. Diante disso, será que os opinantes sabem como funciona a prisão preventiva no Brasil?
A prisão preventiva está prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP). Em suma, trata-se de uma prisão de natureza cautelar - que se utiliza para preservar, conservar ou garantir determinados direitos, como a correta aplicação da lei, segurança da vítima e da sociedade, entre outras hipóteses – antes de uma condenação definitiva.
Neste momento, convém ressaltar que o modelo constitucional do Brasil (Constituição da República Federativa de 1988) adotou a presunção de inocência como direito fundamental de TODOS, conforme se extrai do artigo 5º, inciso LVII, ou seja, toda pessoa é presumidamente inocente até que sobrevenha uma condenação criminal transitada em julgado – sem possibilidade de recurso.
A partir disso, conclui-se que uma prisão preventiva, é uma medida atípica, justamente por contrariar a presunção CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDA, lembrando que a Constituição Federal é a LEI MAIOR no nosso ordenamento jurídico e, portanto, todas as demais leis e interpretações devem estar em conformidade com ela.
Assim, quando, em quais hipóteses e quem pode requerer a decretação da prisão preventiva?
Quanto ao momento processual, a prisão preventiva pode ser decretada na fase de investigação preliminar, após o cometimento de um delito, quando ainda não há processo em curso, ou já durante a fase processual.
Durante a fase de investigação preliminar – geralmente feita através de inquérito policial conduzido pelo delegado de polícia, ou por PIC (Procedimento Investigatório Criminal conduzido pelo Ministério Público) – o delegado de polícia pode representar pedindo a decretação da prisão preventiva e/ou o Ministério Público pode requerer expressamente a prisão.
Há intensa discussão jurisprudencial e doutrinária sobre a possiblidade de decretação da prisão preventiva de ofício, ou seja, sem pedido expresso de nenhuma autoridade. Nessa hipótese, o juiz determina a prisão com base em seu convencimento e em sua análise jurídica.
Sobre esse assunto, Aury Lopes Júnior (2019, p. 758)[2] sustenta que: Assim, ao decretar uma prisão preventiva de ofício, assume o juiz uma postura incompatível com aquela exigida pelo sistema acusatório e, principalmente, com a estética de afastamento que garante a imparcialidade.
Nessa mesma linha vem caminhando o entendimento dos Tribunais Superiores após o advento da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), marco legislativo responsável por PROIBIR a conversão do flagrante em prisão preventiva bem como decretá-la de ofício.
No entanto, o rastro do sistema inquisitório permanece nos dias atuais, sendo necessária a revisão de decisões judiciais de primeira e segunda instância constantemente, nos Tribunais Superiores, como ficou estabelecido no julgamento pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Ministro Og Fernandes - do HABEAS CORPUS Nº 926724 - MG (2024/0242714-9), em que o paciente foi preso em flagrante em 30/04/2024, pela suposta prática da conduta descrita no art. 155 do Código Penal (furto) em que houve a conversão da prisão em flagrante em preventiva, de ofício, pelo magistrado.
Tais acontecimentos demonstram a necessidade uma defesa técnica atualizada e combativa para evitar constrangimentos ilegais, combatíveis por meio de HC (Habeas Corpus).
Retornando à análise dos demais requisitos da prisão preventiva, o artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), estabelece que a prisão preventiva somente será decretada mediante a presença de uma soma de fatores: prova da existência do crime + indícios suficientes de autoria + perigo gerado pela liberdade do suspeito PARA garantia da ordem pública OU garantia da ordem econômica, OU conveniência da instrução criminal OU aplicação da lei penal, segundo explica o defensor público Jaime Leônidas Miranda Alves (2024, p.38).[3]
Quanto às hipóteses de cabimento da prisão preventiva (que não se confundem com seus requisitos elencados acima), o artigo 313 do CPP dispõe que essa prisão somente é cabível nos casos em que o crime DOLOSO cometido for punido com pena máxima SUPERIOR A 4 ANOS, OU se o suspeito for reincidente em crime doloso, OU se o crime envolver violência doméstica ou familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência OU ainda quando houver dúvidas sobre a identidade civil da pessoa e esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la.
Diante disso, depreende-se o descabimento da prisão preventiva nos crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) em sua modalidade simples, por exemplo, se o agente não for reincidente, não envolver contexto de violência doméstica e familiar e for corretamente identificado, em face da pena baixa (não ultrapassam 2 anos).
De igual modo, no furto simples (artigo 155, caput do Código Penal), também não há cabimento de prisão preventiva tendo em vista que a pena máxima é de 4 anos e NÃO SUPERIOR A 4 ANOS, conforme dispõe o dispositivo processual.
Há também o dever de o magistrado fundamentar sobre a insuficiência de medidas cautelares diversas e alternativas à prisão no caso concreto, sob pena de nulidade da decisão. Resta claro: a prisão é a última alternativa.
Por fim, ressalta-se a existência de diversas outras nuances a serem analisadas na prisão preventiva, face ao vasto conteúdo doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto, que serão melhor elucidados em outras ocasiões.
[1] Zaffaroni, Eugenio Raúl, 1940- A questão criminal / Eugenio Raúl Zaffaroni; tradução Sérgio Lamarão. – 1. ed. – Rio de Janeiro :Revan, 2013.
[2] Lopes Jr., Aury Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 16. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 1. Processo penal – Brasil I. Tı́tulo.
[3] Alves, Jaime Leônidas Miranda. Fábrica de Criminalistas: manual da defesa criminal para defensores públicos e advogados / Jaime Leônidas Miranda Alves. – 2 ed. – Leme – SP: Mizuno, 2024. 584 p.
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