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Busca pessoal e provas ilícitas: quando há nulidade no processo penal?
Regiane da Silva Cardoso
10 de ago. de 2024
Enquadro, baculejo, revista, entre outros nomes, esse tipo de abordagem é válida para fins de obtenção de provas em um processo penal?
Em pesquisa simples no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça com o termo “Habeas Corpus Concedido” selecionado o período de publicação entre 04/08/2024 a 10/08/2024, dos 6 (seis) acórdãos disponibilizados, 3 (três) tratam de busca pessoal, domiciliar ou veicular e sua respectiva NULIDADE.
Tal resultado demonstra a CONTEMPORANEIDADE e RECORRÊNCIA da matéria nas cortes superiores, e a importância de estar atualizado.
Inicialmente, cumpre esclarecer a distinção entre NULIDADE e ILICITUDE. Apesar de serem termos frequentemente tratados como sinônimos, possuem distinção. De acordo com os ensinamentos de Jaime Alves (2024, p. 415)[1] as nulidades fazem referência aos atos processuais praticados. Um ato nulo resulta na desconstituição dele e de seus derivados.
Por outro lado, uma prova ilícita, aquela colhida em desconformidade com direito material que ofenda, direta ou indiretamente, garantia ou princípio constitucional, resulta no desentranhamento da prova e das que dela derivem, pela teoria dos frutos da árvore envenenada.
Superada essa questão, têm-se a distinção entre busca pessoal e abordagem policial, a fim de evitar interpretações equivocadas. Segundo Jaime Alves (2024, p.423)[2], a abordagem policial é gênero, podendo contar ou não com busca pessoal.
A abordagem policial é método de policiamento ostensivo, e visa dar orientações, verificar situações de perigo, advertir pessoas, entre outras práticas. Já a busca pessoal é atuação invasiva, a revista, o “enquadro” propriamente dito.[3]
Quanto à busca pessoal, o artigo 240,§2º do Código de Processo Penal autoriza que seja realizada quando “houver fundada suspeita” de que alguém oculte consigo arma proibida ou para: apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; colher qualquer elemento de convicção.
No entanto, a legislação não define o que se entende por “fundada suspeita”. A partir desse ponto, há a o alargamento interpretativo dos agentes policiais para considerarem toda e qualquer situação suspeita, com base em seu juízo de valor subjetivo. Nesse exato sentido, Aury Lopes Júnior (2019, p.630)[4] dispõe que: Assim, por mais que se tente definir a “fundada suspeita”, nada mais se faz que pura ilação teórica, pois os policiais continuarão abordando quem e quando eles quiserem. Elementar que os alvos são os clientes preferenciais do sistema, por sua já conhecida seletividade. Eventuais ruídos podem surgir quando se rompe a seletividade tradicional, mas dificilmente se vai além de mero ruído. Daí por que uma mudança legislativa é imprescindível para corrigir tais distorções.
Nesse cenário, com base no controle da legalidade dos atos administrativos e judiciais, a fim de evitar arbitrariedades e abusos de poder, surgem as decisões mencionadas no início deste texto.
No julgamento do HABEAS CORPUS Nº 907517 - DF (2024/0139056-8), publicado em 08/08/2024, cujo relator foi o ministro Jesuíno Rissato, no qual o paciente estava sendo processado por porte ilegal de arma de fogo, ficou estabelecido que a abordagem do paciente decorreu do fato de ter entrado em seu veículo e dado a partida após avistar policiais em motopatrulhamento. Nesse contexto, não se verifica a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, uma vez que a atitude do paciente de entrar no carro e dar a partida ao avistar a guarnição policial, não constitui motivação suficiente para justificar a sua abordagem.
De igual modo, no julgamento do HABEAS CORPUS Nº 911949 - SC (2024/0164229-0), publicado em 08/08/2024, cujo relator também foi o ministro Jesuíno Rissato, no qual o paciente estava sendo processado por tráfico de drogas, ficou estabelecido que: não se verifica a existência de fundamentos suficientes para configurar justa causa para a realização de busca pessoal ou domiciliar sem mandado judicial, mormente porque não houve diligências ou investigações prévias a indicar a ocorrência do crime dentro ou fora da residência do paciente. Houve ilegalidade da busca pessoal não amparada em nenhuma justificativa, pois, conforme consignou a Corte de origem, "a guarnição deslocou-se até a residência indicada pela testemunha, sendo que o conduzido/paciente franqueou acesso ao imóvel e foi colaborativo, de acordo com o relato dos policiais militares", entretanto, não houve comprovação da autorização de ingresso no domicílio do paciente. Habeas corpus concedido para declarar ilícitas as provas colhidas por meio da busca pessoal e domiciliar, bem como todas as delas decorrentes e, por consequência, absolver o réu.
E por fim, no julgamento do HABEAS CORPUS Nº 898617 - SP (2024/0090173-0), publicado em 08/08/2024, cujo relator também foi o ministro Jesuíno Rissato, no qual o paciente estava sendo processado por tráfico de drogas, ficou estabelecido que: os policiais depararam-se com o réu saindo de sua residência, que, por sua vez, ao ver a viatura, retornou para dentro. Nesse contexto, e considerando que o paciente era conhecido nos meios policiais, decidiram abordá-lo e revistá-lo, o que não se revela como justa causa apta a sustentar a legalidade do procedimento. A busca e apreensão da droga, assim, mostra-se ilegal, pois não foi precedida da necessária ordem judicial, e desprovida de justa causa para o ingresso no imóvel, sendo insuficiente a fala dos policiais, visto que ausente a devida comprovação de que a entrada na residência teria sido autorizada pelo paciente. Tampouco se presta como justificativa, na espécie, o fato de o domicílio se encontrar em região de mercancia de entorpecentes, e o fato de o réu ser "conhecido da polícia". Habeas corpus concedido para declarar ilícitas as provas colhidas por meio da busca pessoal e domiciliar, bem como todas as delas decorrentes e, por consequência, absolver o réu.
Desta forma, conclui-se que a busca pessoal ilimitada e irrestrita tem sido utilizada com extrema frequência, em desrespeito aos direitos e garantias individuais como privacidade, inviolabilidade de domicílio e até a presunção de inocência, razão pela qual precisam ser combatidas desde o início do processo.
Referências Bibliográficas
[1][1] Alves, Jaime Leônidas Miranda. Fábrica de Criminalistas: manual da defesa criminal para defensores públicos e advogados / Jaime Leônidas Miranda Alves. – 2 ed. – Leme – SP: Mizuno, 2024. 584 p.
[2] ibidem
[3] ibidem
[4] Lopes Jr., Aury Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 16. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 1. Processo penal – Brasil I. Tı́tulo.
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